Praticamente nos últimos dez anos o Brasil viu uma droga atingir os usuários e a sociedade em geral de uma forma ainda sem precedentes. O crack espalhou-se pelo Brasil de maneira rápida e devastadora, levando seus usuários a caminhos muitas vezes sem volta. Em razão da intensidade e rapidez de seus efeitos e, com isto, a intensa fissura por mais uma e outra dose ou pedra, essa droga está mudando até mesmo os conceitos da sociedade em relação às outras drogas ilícitas (principalmente em relação à Cannabis sativa - maconha -), já que alguns estudos relataram que o bloqueio de receptores canabinoides do cérebro diminuiu a fissura pela cocaína e pelo crack. No dia 29 de maio um anteprojeto com novas propostas foi aprovado em Brasília e, se for aprovado em esferas superiores, descriminalizará o porte de pequenas doses de drogas ilícitas. O plantio, desde que para consumo, também não será mais considerado crime. É um sinal de que algo está mudando e que a visão do passado em relação às drogas está realmente (ou mesmo redundantemente) ultrapassada, principalmente depois do advento do crack. E quem também chegou à conclusão de que a guerra contra as drogas não tem o desfecho que se espera foi o próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, chefe da Comissão Global de Política sobre Drogas instituída pela ONU.
Estudos também demonstraram que há forte relação do crack com outras drogas, que serviriam como porta de entrada e/ou potencializariam perigosamente seus efeitos e estas drogas, para espanto de muitos, não são as ilícitas, como a maconha, mas sim as lícitas (o álcool e, em grau menos prejudicial o cigarro, em razão de praticamente não produzir efeitos mentais consideráveis). Ou seja, para um país atacar devidamente um grande problema de saúde pública chamado crack, também deve priorizar o combate às drogas lícitas, que contam com grande apoio da sociedade e da mídia, já que no Brasil a bebida alcoólica, que traz imensos problemas à sociedade de uma forma geral, é amplamente tolerado como substância para a socialização.
Diante da dimensão do problema, as redes de atendimento ambulatorial e hospitalar ainda na verdade são insuficientes e contam muitas vezes com profissionais despreparados. Grande parte dos dependentes de drogas são tratados em comunidades terapêuticas que não recebem um centavo de apoio do Governo Federal devido à sua estrutura, inadequada em relação a vários parâmetros preconizados pelo Ministério da Saúde, mas nem por isso menos eficazes na recuperação de muitas pessoas.
Hoje no Brasil já é descabido falar em fechamento de hospitais e de leitos psiquiátricos, principalmente quando se leva em consideração a deficiente estrutura hospitalar para internações psiquiátricas existente, tanto em hospitais gerais quanto mesmo em manicômios, no que se refere a número de leitos e equipe especializada. Segundo a OMS, o número ideal de leitos para transtornos mentais em um país é referente a 0,5% de sua população, o que no Brasil se situaria em torno de 900 mil leitos. O país conta, no entanto, com menos de 5% deste número, sendo que uma das justificativas seria a rede ambulatorial de atendimento à saúde mental que foi melhorada no país principalmente ao longo das duas últimas décadas, com o surgimento dos CAPS (Centro de Atenção Psicossociais). Mesmo assim, a realidade não é animadora e o país necessita urgentemente de novas políticas de saúde pública em relação aos transtornos psiquiátricos, principalmente depois da proliferação do crack.
terça-feira, 29 de maio de 2012
sexta-feira, 18 de maio de 2012
MANICÔMIOS NECESSÁRIOS
No dia 18 de maio o Brasil relembrou a modificação
que houve nas últimas décadas no cuidado aos doentes mentais. O modelo
hospitalocêntrico que houve durante várias décadas, que estava severamente
ultrapassado, desleixado e cruel, foi sendo gradativamente banido. Formou-se
uma rede de atendimento em saúde mental que pode-se dizer bem estruturada país
afora, representada principalmente pelos Centros de Atenção Psicossociais,
conhecidos como CAPS, que prestam atenção às doenças psiquiátricas gerais em
adultos, adolescentes, crianças e dependência de drogas.
Os
hospitais psiquiátricos no passado eram tidos como depósitos de doentes
mentais, em que havia muito desrespeito aos direitos humanos e tratamentos
muito pouco eficazes para a recuperação dos pacientes. Aos poucos, muitos
leitos psiquiátricos foram sendo fechados e o tratamento para o doente mental
sofreu considerável evolução. A reforma psiquiátrica trouxe vários aspectos
importantes neste sentido.
Cabe
lembrar que, apesar de terem existido absurdos durante muitos anos nos
manicômios, onde estavam as autoridades de saúde principalmente nos árduos anos
60, 70 e parte dos 80? Por que este modelo crítico de atendimento psiquiátrico
hospitalar vigorou em algumas instituições durante muitos anos? O modelo antiquado de atendimento de saúde
mental hospitalar em algumas instituições do Brasil só veio à tona no período
da Abertura Política, no governo Figueiredo, na primeira metade dos anos 80. Nesta
época, a RBS TV foi pioneira em levar ao ar no extinto programa RBS Documento,
um retrato de como estava o hospital psiquiátrico São Pedro, na capital gaúcha,
inaugurado em 1884 e um dos principais manicômios do país.
A
reforma psiquiátrica não contava, no entanto, com o surgimento do epidêmico
crack, que hoje, por si só, ordena urgentes reformas
na reforma psiquiátrica. Devido à falta de leitos psiquiátricos para internação
de dependentes desta devastadora droga, fechar leitos nos hospitais
psiquiátricos ainda existentes ou, pior ainda, fechar tais hospitais hoje
representaria um retrocesso. Os manicômios têm ainda uma grande importância
para os doentes mentais, desde que não utilizados para confinamento ou
institucionalização de doentes nem que desrespeitem os direitos humanos.
Alguns doentes mentais, com ausência de juízo crítico e gravemente doentes,
ainda necessitam, sim, de que as portas estejam trancadas e até mesmo serem
contidos fisicamente, quando necessário, até que consigam melhorar. Não há nada
de desumano nisto. Estes aspectos fazem parte do tratamento da doença mental e
serão usados sempre que necessário, principalmente em casos de pacientes
acentuadamente psicóticos e ou violentos, visando unicamente à proteção, não só
do paciente quanto da família e da equipe de tratamento. Estudos recentes da
Universidade Federal de São Paulo demonstraram que o tratamento involuntário
não é menos eficaz que o voluntário no tratamento de drogas, tanto legais
quanto ilegais, por exemplo, como cita o livro "O tratamento do usuário de
crack", da Ed. Artmed, 2ª ed. de 2012.
Assim,
o dia da luta antimanicomial deve sempre ser um dia não somente de
comemorações, mas de debates e reflexões de como anda a assistência à saúde
mental hospitalar e, em razão do surgimento de novos e graves problemas de saúde
mental, quais podem ser as melhores estratégias para seu combate.
Fernando
P. Almeida - Psiquiatra
quarta-feira, 16 de maio de 2012
SAIBA RECONHECER A DEPRESSÃO
A depressão é uma
das doenças psiquiátricas mais frequentes no mundo. Acomete os indivíduos em suas mais diversas idades,
da infância à velhice. Frequentemente ela é a causa de incapacitações
escolares, acadêmicas e de trabalho, as quais são decorrentes diretamente dos
sintomas que caracterizam o seu quadro clínico. No
entanto, nem sempre o indivíduo ou seus familiares conseguem reconhecer os
sintomas, que por vezes se instalam lentamente. Normalmente quando estes
sintomas aumentam de intensidade, ficam mais evidentes, sendo então percebidos
mais facilmente.
A
Organização Mundial de Saúde (OMS) divide a depressão basicamente em três
tipos: leve, moderada e grave, de acordo com a intensidade dos sinais e
sintomas apresentados, que podem ser muito variáveis entre cada pessoa.
No entanto,
algumas das queixas mais frequentemente relatadas pelos pacientes são:
tristeza, apatia, humor deprimido, desânimo, sensação de desesperança,
dificuldades de memória e de concentração, falta de vontade para realizar atividades
diárias, irritabilidade, agressividade, ansiedade, insônia ou sono excessivo,
falta ou excesso de apetite, diminuição do desejo sexual, fadiga, isolamento e
intolerância a barulho.
A OMS determina em cerca de duas semanas o
período de tempo mínimo para que os sinais e sintomas possam realmente
caracterizar uma depressão.
Quando o
quadro clínico é grave, frequentemente o paciente possui pensamentos suicidas,
alucinações visuais (comumente enxerga vultos), auditivas (ouve alguém chamá-lo
ou vozes que o insultam) e delírios de desvalia (convence-se de que é
totalmente inútil e que não tem nenhum valor para nada e para ninguém).
O tratamento
deve ser iniciado tão logo se perceba que o quadro clínico é compatível com
depressão. Nos casos leves, o uso de medicamentos nem sempre é necessário, pois
o paciente pode melhorar apenas com medidas terapêuticas não farmacológicas, tais
como os diferentes métodos de psicoterapia.
Nos quadros
moderados e graves, os medicamentos antidepressivos são praticamente
indispensáveis. Atualmente há uma ampla gama de antidepressivos disponíveis (o
que permite adequá-los ao perfil de cada paciente), além de serem
comprovadamente eficazes.
Infelizmente
muitos quadros de depressão não tratados ou, ainda, tratados inadequadamente,
culminam tanto com o suicídio quanto com o homicídio.
Assim, sempre
que os sinais e sintomas sugerirem um episódio depressivo, deve-se procurar ajuda
profissional para que o indivíduo possa, com o tratamento, retornar o mais
breve possível ao seu funcionamento e ao seu estado de humor normais.
sábado, 12 de maio de 2012
FALTAM LEITOS PSIQUIÁTRICOS NO BRASIL
Segundo levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo, baseado em parâmetros do Ministério da Saúde, o Brasil possui menos da metade dos leitos psiquiátricos públicos que o necessário, fator este que prejudica muito o tratamento de usuários de crack, já que a internação é um importante recurso terapêutico contra a epidemia desta droga no país. O número próximo ao ideal de leitos psiquiátricos seria de 85 mil, mas o país conta com apenas 38,5 mil. A reforma psiquiátrica, implantada no Brasil principalmente a partir do início da década passada, com certeza trouxe aspectos bons ao paciente psiquiátrico brasileiro, principalmente no que diz respeito à institucionalização de doentes psiquiátricos, objetivando à reinserção dos mesmos à família e à sociedade, sempre que possível. No entanto, a mesma política da reforma psiquiátrica preconizou a redução de vagas para internação. Com o grande aumento da demanda nos últimos anos, motivada grandemente pela epidemia do crack, serão abertos 3.604 novos leitos em hospitais gerais, número de leitos este que o coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Federal de Medicina, dr. Emmanuel Cavalcanti, considera "ridículo" e "representa a ausência de um segmento da estrutura especializada para tratar os usuários de drogas".
Fonte: Conselho Regional de Medicina do RS
Fonte: Conselho Regional de Medicina do RS
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